Conflitos sexuais cristãos no “cristianismo tradicional” VS na “fé de Cristo”

  • “O sexo é imundo” - “O Sexo é maravilhoso”
  • “O sexo é apenas para o casamento”
  • “As crianças não são sexuais”
  • “Pensamentos e fantasias sexuais são pecaminosos”
  • “O sexo é uma expressão de amor”
  • “O sexo não tem nada a ver com o ‘amor cristão’”

As declarações acima representam alguns dos muitos pontos de vista conflitantes sobre a sexualidade, com a qual a maioria de nós foi acostumada.

Você notará que as declarações negativas são as do tipo que são usadas pela religião e pela sociedade para controlar a vida sexual e as atitudes das pessoas. Em outras palavras, aqueles que têm poder sobre os outros usam essas ideias para conformar as pessoas com algum padrão moral que é colocado como absoluto. O cristianismo tradicional tem usado essas ideias apenas para esses fins.

Cristo e os apóstolos ensinaram que todas as estruturas de poder eram para ser desafiadas, não no sentido de anarquia política ou social, mas no de abolição do controle de uma pessoa sobre outra ou de uma instituição sobre grupos de pessoas, que restringem as liberdades dadas por Deus. Nesses ensinamentos houve um apelo para a transparência nas relações humanas. Essa transparência, que realmente implica tanto vulnerabilidade quanto confiança, era para revelar-se nos laços comuns de relações familiares e sociais.

Jesus desafiou ambas as estruturas, relacionamento familiar e social, sugerindo que segui-lo iria quebrar alianças tradicionais e criaria novas. Hoje nós estamos vendo a grande ruína do casamento monogâmico e do núcleo da família tradicional das culturas europeias e norte-americanas.

A maior parte das práticas de casamento e estruturas de família é produto de cultura e não de ensinamentos bíblicos específicos.

Em outros escritos, Dave e eu temos desafiado a tradição cristã da monogamia. A ruína que eu mencionei acima sugere que chegou o momento de os cristãos reconsiderarem seriamente toda a gama de ensinamentos conjugais e sexuais que têm sido proferidas no cristianismo tradicional. É tempo de perceber, por exemplo, que a monogamia nunca realmente funcionou como uma opção sexual /conjugal exclusiva (nós discutimos razões para isso em outro momento) e de procurar novas estruturas e ligações que melhor expressam a vitalidade e a criatividade do afeto sexual.

A monogamia e uma série de outras restrições sexuais são produtos de um cristianismo sexualmente repressivo.

Por que ocorreu essa história de repressão sexual? Várias razões, incluindo tradições de negação do prazer corporal, de alguns dos pensadores gregos da época de início do cristianismo, contribuíram para esse acontecimento. Além disso, tem havido uma tendência de conversão, por parte de cristãos, dos ensinamentos libertadores de Cristo e dos apóstolos em regras a serem obedecidas e a serem executadas por autoridades religiosas (mais estrutura de poder). A essência dessas regras também reflete pequenos erros de interpretação, a ênfase equivocada ou excessiva em um ensino particular, um aspecto particular de um ensino e a tradução ou a interpretação erradas, decorrentes de um viés moral (por exemplo, a tendência em aplicar o termo “porneia”, normalmente traduzido como “fornicação” ou “imoralidade sexual” em versões mais antigas inglesas da Bíblia, para todos os casos de relações sexuais fora do casamento monogâmico; a má interpretação da história de Adão e Eva como sendo um apoio à monogamia e como um ensino de que a nudez é pecaminosa; a interpretação dos conceitos bíblicos de “pureza” e “santidade”, principalmente como sendo um chamado à abstinência de “contaminação” sexual).

Com o passar do tempo, esses pequenos erros e seus moralismos resultantes têm aumentado continuamente ao ponto de que os ensinamentos fundamentais de Cristo têm sido muitas vezes esquecido (por exemplo, amar uns aos outros) e as regras circunstanciais e opressivas do cristianismo ganharam destaque (por exemplo, a extensão da ideia de "fornicação" para qualquer tipo de contato sexual antes do casamento, inclusive carícias com as mãos - isto é desaprovado por alguns cristãos; por vezes, movimentos cristãos organizados de oposição ao nudismo social tentam fechar praias de nudismo, etc.).

É minha opinião que a repressão geral da sexualidade e do amor não-monogâmico não é originária da Bíblia, e não era a intenção de Jesus e dos apóstolos ensinar esses pontos de vista. No entanto, é verdade que essas ideias são parte da bagagem do cristianismo tradicional, que tem enfatizado esses pontos e negligenciado o amor e a liberdade.

O escritor francês Jacques Ellul faz uma distinção útil entre o que ele chama de “cristianismo” e de “a fé de Cristo”. O verdadeiro cristianismo (a fé de Cristo), ele define como “a revelação e a obra de Deus realizada em Jesus Cristo”; “a Igreja como sendo o corpo de Cristo” (em oposição à igreja como instituição religiosa); e “a fé e a vida dos cristãos na verdade e no amor”.

O cristianismo como tradição, que ele descreve como um movimento que tem praticamente abandonado seu compromisso com os princípios acima referidos e que se degenerou em uma religião moralista, desprovido do verdadeiro amor a Deus e ao próximo, e obcecado com a aplicação de um código moral exigindo “a castidade, a obediência absoluta ... (e) sacrifício”. (O Subversion do cristianismo, pp. 11, 17)

É essa perversão do cristianismo que aprisiona pessoas em culpa e vergonha sobre seus corpos e seus desejos sexuais dados por Deus. (Isso não quer dizer que não existe tal coisa como pecado sexual ou que nos é dada licença para fazer qualquer coisa que quisermos, a qualquer hora e com qualquer pessoa, em termos de satisfação dos desejos sexuais. É dizer que o amor cristão, devidamente compreendido, engloba a vontade de ambos viverem livremente, em termos de satisfação sexual e ao mesmo tempo, o respeito a todas as pessoas em seus relacionamentos, de modo que o cumprimento é realizado sem prejudicar os outros.) Este não é o cristianismo da Bíblia, isto é, o cristianismo que Ellul chama de “a fé de Cristo”.

O propósito de Jesus em sua vida e morte era nos permitir cumprir as exigências da lei de Deus, não por sacrifício e obediência legalista, mas por amar a Deus e amar o próximo.

Eu acredito que na intimidade das relações sexuais esse tipo de amor pode ser expresso de forma muito completa. Uma das maiores deformidades da verdadeira fé cristã é o conjunto de ensinamentos que busca de todo jeito remover o amor divino da experiência sexual

Contrariamente a isso veja a simples, porém bela, indicação de um irmão cristão que está envolvido com sua família em uma comunidade sexualmente afetuosa em outro estado: "Nós acreditamos que a partilha do prazer sexual com o outro é uma extensão do amor de Deus todo poderoso ."

Obviamente essa partilha apresenta um problema ou uma vulnerabilidade - o desafio de nos abrirmos aos outros. Muitas pessoas têm medo de tal abertura. Eu acredito que é apenas dentro de uma comunidade amorosa, cuidadora, que manifesta o tipo de amor que Jesus ensinou, que a confiança suficiente pode ser criada para tornar verdadeiramente possíveis os relacionamentos “abertos”.

Em um boletim recente, Dave escreveu extensivamente sobre nudez e esse assunto também foi discutido em nossa primeira sessão introdutória de casais. Era evidente, com base na resposta da sessão, que várias pessoas estavam com medo de experimentar a nudez com os outros. Pode haver várias razões para tais receios, incluindo ensinamentos e atitudes religiosas e familiares passadas. Estes podem ter necessidade de serem trabalhados. Mas eu acredito que a questão principal com a nudez é a mesma da vulnerabilidade na abertura sexual.

Superar esse problema em um ambiente de comunhão amorosa pode mudar a vida de uma pessoa de uma forma significativa - em termos de vergonha e culpa do corpo, além de ser uma preparação para a abertura sexual. É por isso que enfatizamos a nudez em nossos materiais e discussões de sessão de grupo.

O medo e a desconfiança são muito significativos em todos os aspectos das atitudes religiosas e culturais quanto à sexualidade.

Em outros escritos, Dave e eu discutimos como as atitudes e crenças de vários povos antigos têm contribuído para a compreensão da sexualidade que está presente no cristianismo moderno. Grande parte do conteúdo dos sistemas de crenças sexuais dos povos antigos era derivada de superstição, nascida da ignorância do funcionamento do corpo humano e da psique. As ideias de concepção, a gravidez e o parto eram vistos com um misto de medo, admiração e até mesmo, adoração. O fenômeno da fertilidade humana e do mistério da união sexual foram igualmente fontes de maravilhamento supersticioso e pouco ou nenhum entendimento prático. Sem controle de natalidade, teve-se que supor que a relação sexual resultava em gravidez. Todos esses elementos da vida eram vistos de forma quase mágicas e, feiticeiros, adivinhos e similares foram frequentemente envolvidos em práticas rituais associadas a eventos sexuais.

(Pode-se observar neste ponto que a disponibilidade atual de muitos métodos quase infalíveis de controle de natalidade abre caminho para uma maior liberdade sexual em geral e possibilita certa reestruturação dos modelos de casamento e de família, mencionados anteriormente. Vale a pena observar que tal reestruturação nesta base não teria sido possível no mundo antigo e certamente não teria sido possível até muito recentemente. Parece-me que a evolução prática/científica, tais como a contracepção segura e confiável, deve fazer a Igreja repensar as possibilidades de padrões de comportamento sexual. Eu acredito que os cristãos alertas e conscientes têm a oportunidade de explorar novas e excitantes opções nessas áreas).

Aconteceu que o cristianismo nasceu em uma cultura em que estes pontos de vista da sexualidade eram comuns. Assim, todos os ensinamentos sexuais do Cristianismo foram comprometidos por tais pontos de vista, quase ao ponto de continuar a tratar os fenômenos sexuais como mágicos, criando, assim, os muitos tabus de controle.

Hoje sabemos que o sexo não é mágico. Pode ser inspirador, emocionante, confuso e até mesmo adequadamente considerado como contendo elementos de mistério. Pode ser o aspecto mais emocionalmente significativo da vida humana. Mas não é mágico e não deve ser tratado com o medo e os tabus do passado. Eu acredito que o cristianismo tradicional perpetua estes pontos de vista ultrapassados e devemos trabalhar para nos livrarmos deles, na comunhão de amor cristão.

São estes pontos de vista antigos que levam ao abuso emocional/espiritual, motivo pelo qual muitas pessoas rejeitam esta versão do cristianismo. Estes pontos de vista não são característicos do que Jacques Ellul chama de “a fé de Cristo”.

É nossa esperança nos “Cristãos Libertos” que este tipo de fé possa nos libertar para amar livremente, com alegria e responsabilidade, da forma como acreditamos que Deus nos fez para amar.

Por Bill

Tradução/edição feita por http://cristagostosaeliberal.blogspot.com/

Texto original: http://www.libchrist.com/bible/faithof.html

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